segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Testamento II


Voltei a ler o Testamento, de Manuel Bandeira
(Já escrevi o meu uma vez,
ou uma centena de vezes?)
E retorno ao sentimento lânguido
das flores simplesmente mortas.
Procuro “meu filho que não nasceu” em meu peito.
Gosto igualmente de crianças,
mas talvez não tanto ao ponto de as gestar em intimidade.
Venho a mim e me oponho ao poeta:
tenho também essa coisa da poesia?
Essa coisa que arrebata ao seio do destino?
Essa coisa que suspende a alma sobre os homens
e se apieda, e se lisonjeia, e se compadece?
Eu não sei, hei de fazer um testamento diferente.
De meus outros cem, perdi as notícias.
Foram ao fim do mundo, aos bueiros,
como tantas outras coisas que já fui.
Morri ontem quando deitei sozinho e estive triste,
e hoje revejo os pontos de uma folha em branco.
Faço dessa folha o meu legado e a rasura de um futuro.
Da rasura nasce uma queixa que se enternece em uma prece.
Desta prece uma aposta que se eleva até o mito.
E o mito, a aposta, a prece, a queixa, a rasura e o futuro não são nada.
Meu testamento sendo um nada cem vezes,
a solidão, um nada que se constrange,
meu devaneio, uma poesia que se percebe só.
Harakiri lírico, mil lutas eu não lutei.
Campo infrutífero, nenhuma terra brotou de mim.
Um pandemônio da Bahia até Pernambuco...
Quero seus olhos fatigados,
Onde estás, Manuel, para me ensinar a usar esse papel amassado?
Do poeta menor ao microscópico!
Ai, Senhor!
Perdoai!

Nenhum comentário

Postar um comentário

© Odisseia do adeus
Maira Gall