segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Manifesto orgânico do fracasso

Você consegue sentir
O coração acelerado
O súbito e gélido arrepio
O cansaço proeminente da musculatura
O vazio de toda a respiração
De todo o pensamento
De todo o sentido para a vida
Confundindo as faculdades da cognição,
Transformando-as em incertezas,
Inscrevendo, em minha pele
O único enunciado possível para tal condição?

Você consegue sentir o manifesto orgânico do fracasso?
Os sinais epidérmicos da desesperança?

São os dizeres últimos de meus nervos...
O culto insano dos sulcos contra a vida
Contra tudo no que creio
Tudo o que me move
Tudo o que uma vez ameaçou me compor.

Você consegue ver a falência substancial do tornar-se?
O erro indisfarçável do que se consolida?
Esgotei meu pesar...
O desconsolo retorna à origem:
Falhei no nascimento.
Sou todo remorso
Sou todo nostalgia
De um passado cuja realidade se absteve de existir.

Minha amargura está descoberta
Moribunda sob um céu sem teto.
Sou eu, sou eu também este corpo quedado
Uma ferida estanque e indiferente à carne que é o mundo
Um fiasco em silêncio, um amorfo sem nome
Uma matéria qualquer, sem se querer, inanimada;
Um qualquer, mas também uma coisa.
Uma coisa qualquer falida
Um qualquer coisa falhado.

Carrego-me aos prantos,
Munido de todas as ilusões e
Pretensões vaidosas sobre o futuro
Cujo destino, eu sei,
Ofusca-se, borrado, como um erro na história.
Como pude crer em minhas alegrias?

Serei grande apenas pela tentativa infame de ser,
Apenas pelo fracasso enorme de existir,
Apenas pelo gesto raso,
Fútil
De meus dedos contra o papel.

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Maira Gall