segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Operações de tédio


Escrever sem estar tocado por nada em especial.
Sem estar singularmente mobilizado.
Sem nenhum ímpeto orgânico ou supra-orgânico,
(um chamado divino talvez?)
uma volúpia alucinada
ou um desejo ardente por exortações.

Escrever sem um folheto,
sem uma tinta composta por sangue e certeza,
ainda mais certeza do que fluido,
talvez até uma verdade em plasma.

Escrever sem uma perspectiva de rubrica,
sem um cochicho de Deus,
sem um apelo sofrido.

Eu que tanto quero o âmago.
Eu que tanto admiro a superação.
Eu que tanto mortifico a felicidade.
Nada me toca em especial.

Escrevo por uma operação de tédio,
pelo tédio mesmo e suas implicações para a vida.
Não sinto fadiga, melancolia ou solidão.
Escrevo porque me cobro ocupações para o tempo,
porque vivo sob sua égide e me angustia não o respeitar.
Ajo assim, como escrevo.
Um constante mergulho na covardia.
Não me proponho nunca a questionar esse fastio
e quebrar o baluarte de minha resignação.

Sou um medíocre?
Sou um qualquer?
Sou uma fraude?
Nem mesmo estas obsessões me apetecem afinal.

Já tive tantas compulsões em minha vida...
E uma obstinação para me elevar aos mais altos patamares!
Terei me enganado todo este tempo?
Eu que esperava tanto de mim...
Eu que cultivei as maiores vaidades....
Quanto mais me interiorizei, quanto mais me filiei ao conteúdo bruto de minha subjetividade, não pude encontrar mais do que uns míseros trocados.

Sou um engano…
Em busca de qualquer coisa grandiosa me deparei com um muro.
E este muro era e é a superficialidade radical de meu espírito.
Quebrei-o pelo apelo ao abismo e não havia nada.
Não sou nada, não tenho nada e nada posso fazer.
Tudo o que me resta são essas operações desmotivadas.
Um lamento insípido e rudimentar, mal estimulado.
Uma escrita sem fogo algum, sem raios.
Um desdém, uma ironia, um cuspe gripado sobre o intelecto.

Escrevo sem que nada me toque.
Escrevo pela minha derrota, semblante de mediocridade.

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