segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O último delicado



Morreu o último delicado?
Perdeu-se o clarão na madrugada
Junto aos olhos obscurecidos de Borges?
- Borges está cego!

Como poderia deixar de enxergar?
Borges, que tanto via!
Borges, que tudo via!
Coração mais do que tudo...
Como poderia deixar de enxergar?

Aniquilou-se a própria delicadeza?
Fugiu-me o último soneto da aurora...
Junto aos olhos límpidos dos meninos?
- O poema está cego!

Como poderia deixar de enxergar?
O poema, que tanto via!
O poema, que tudo via!
Alma mais do que tudo...
Como poderia deixar de enxergar?

Está perdida a palavra que amanheceu
Em sua visão total?
Está perdida a cantiga mais pura
Em sua simplicidade afabilíssima?

As notas ainda ressoam, amigo
És capaz de ouvir?
As mais antigas que o mundo...
As mais cândidas e amorosas?

As notas ainda ressoam, amigo
E junto a elas a cantiga do menino,
Os olhos inefáveis de Borges,
O calor magistral do poema,
A delicadeza da palavra amanhecida,
A visão...
Visão total.

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Maira Gall