segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Fisiografia da tristeza



Eis que o mundo, mesmo num dia assim belo,
tem ainda qualquer coisa de triste.
E a tristeza me parece, ela também,
qualquer coisa de belo.
Alguma fonte imaterial de graça,
uma nuance de desarmonia que conduz a música
em sua perfeita dissonância.
Sofre um pouco, a tristeza,
do descaso amargo dos estetas.
Como se o desfecho sutil da ilusão
não revelasse a silhueta muda
e infinitamente triste
de nossas mais distintas desolações.
Como se o pesar gelado que se instala uma vez no peito
não desvendasse os sulcos inalcançáveis do real
onde ganham vida as manhãs e as noites da poesia.
Move o corpo o desconsolo
e convida a vida a se pôr sobre si mesma.
Preenche a intimidade da alma
e faz gemer os enternecidos.
Dá vozes ao mar e ânimo
para a onda que quebra, solitária, na areia,
e se desfaz bruscamente
e se deixa desfalecer em incessante retorno.
A ressaca sendo de tudo o mais triste,
inconstância que braveja sobre a paisagem,
coroada em motivo e fim último do que existe.

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© Odisseia do adeus
Maira Gall