Agora você tem em mãos o meu peso
o frêmito que produzi ao virar a
primeira página
o sorriso que esbocei ao gostar do
primeiro verso
o sem-jeito de meu suor ao me
recordar de você.
Agora você carrega consigo o meu
traço
a forma estranha com que seguro o
lápis
a maneira ímpar de minha
mediocridade
a ponta cega com a qual circulei o
número das folhas.
Agora você não pode, ainda que
consiga de fato
apagar o rastro de minha presença.
Você não pode soprar os restos de pó
de carinho ou contemplação
despejados num suspiro sobre as
linhas.
Você não pode sacudir as vestes do
passado
muito menos tragar até o termo o
fumo do destino.
Você não pode abrir esse maldito livro
belo, ainda que muito novo e muito
experimental,
livro de poesias,
e não se mascarar de mim
e não vislumbrar com as coisas da
minha retina
o que eu provavelmente mais achei
fabuloso
ou o que mais achei fraco e vulgar.
Agora você não pode mais, ainda que
haja como
ocultar a vida que emprestei ao
papel incólume
secar as veias que nele despertei
pelo sangue de meu próprio lirismo.
Agora você detém uma fagulha sempre disposta
um prenúncio de lembrança
uma memória involuntária
que vai voltar
e vai nascer infielmente
como corolário de tudo o que,
no futuro insofismável do que
imaginei,
já morreu.
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